segunda-feira, 17 de maio de 2010

ATARI

Quem nunca quis ou não viu um Atari ? lógico que muitos dessa turma mais nova não sabe nem do que eu estou falando, mas quem tem perto de 30 anos, sabe muito bem. Esse vídeo game que me tirou o sono muitas vezes, que fez muitas vezes minha mãe levantar a noite para ver o que era aqueles sons eletrônicos mono, que hoje daria vergonha perto de um Playstation 3 e eu que tinha que desligar correndo e fingir que estava dormindo por qualquer som vindo da porta do quarto dos meus pais, muitas vezes deixando o jogo do jeito que estava, não dava para salvar o jogo e continuar depois.
Demorei para ganhar o meu próprio vídeo game, quem me conhece sabe da minha paixão por games, confesso que hoje um pouco mais abrandada devido aos compromissos que adquiri, mas estou sempre informado sobre oque tem de novo no mundo dos games.

Minha primeira experiência com um vídeo game, foi na casa de um primo do meu pai, que tinha um console chamado Tele-Jogo, lançado pela Philco, bom o jogo se limitava a dois bastões na tela, cada jogador movia um deles, e tinha uma bolinha (que na verdade era quadrada... Pode?!!) que não parava, então batia em um bastão de um lado, e outro tinha controlar para não deixar passar, rebatendo para o outro lado, como se fosse um imaginário (e haja imaginação) jogo de tênis, com um som que depois de alguns minutos entrava nos ouvidos irritantemente "Poimmm, Poimmmm", enfim para época brilhante... Então passado um tempo veio o Atari e Odyssey esse último nem com tanto sucesso quanto ao primeiro.

Depois de uma longa jornada de pedidos e greves de fome, ganhei meu Atari, só que minha mãe mandou vir do Paraguai por um vizinho que fazia este contrabando, só que o meu Atari veio diferente do sistema usado na época no Brasil, que era Pal-M, o meu Atari era no sistema NTSC, então ele não ficava em cores, funcionava preto e branco, então reclamei para minha mãe e mandaram consertar para fazer a conversão, ficou umas duas semana no conserto, imagina minha angustia e o pior voltou do mesmo jeito, então quando liguei, meu pai falou: -Uéééé tá preto e branco ainda, vai ter que mandar para o conserto. E eu logo disse: -Não, esse jogo é preto e branco mesmo, ele está arrumado!!! (Eu mentindo com medo de ficar mais um ano no conserto) acabou que o vídeo game ficou o resto da sua existência preto branco mesmo, insistiam comigo que estava preto e branco e eu dizia que a pessoa estava cega, que eu estava vendo cor, tenho trauma de assistência técnica até hoje por causa desse fato.
O grande barato era a troca de fitas, emprestava um para o amigo, ele emprestava outro, depois ninguém mais sabia qual era de qual e com quem estava, eu e meu fiel escudeiro na época o Marquinhos vivíamos caçando quem tinha algum jogo diferente para nos emprestar, e soubemos que no final da nossa rua tinha um homem que tinha muitas fitas, que se chamava Miltinho, nome pelo qual não combinava com seu tipo, ele era um negro de uns 2 metros de altura, magro, cara de bravo, mas tinha um pequeno detalhe... vamos dizer... não era chegado ao sexo oposto, era homossexual assumido, ele morava junto de uma rapaz que suponho era seu "marido", eu e o Marquinhos sabíamos da vasta coleção de jogos dele, mas ficavamos com um medo danado de ir lá pedir emprestado e ser puxado para dentro da casa dele, só que nossa vontade de ter outros jogos foi maior, então combinei com o Marquinhos:

-Eu vou lá pedir e você fica do outro lado da rua olhando, se acontecer alguma coisa, qualquer coisa estranha, você chama a polícia. disse eu ao Marquinhos. E lá foi eu... toquei a campainha e ficava olhando para ver se meu vigia estava alerta, nisso aparece o Miltinho na porta, e eu como não queria dar nenhuma intimidade ao nobre homem disse:

- Olá Sr. MiMiMilton... meu nome é Luis e moro aqui na rua, e soube que o senhor tem alguns jogos de Atari e se não te incomodasse gostaria de saber se você não gostaria de me emprestar algum e eu te emprestava outro - eu com a minha voz trêmula.

- PODE ME CHAMAR DE MILTINHO POR FAVOR!!!- disse ele, e eu já com as pernas bambas com um calor no rosto, com os olhos arregalados, então ele me falou os jogos que ele tinha: - Eu tenho o Come-Come, de Corrida, Come-Come, de Aviãozinho, Come-come...

Olha não sei se foi coisa da minha cabeça, mas para mim ele repetiu várias vezes que ele tinha esse tal jogo do Come-Come que é o Pac-Man, minha cabeça começou a fazer um eco (Come Come.. Come Come...)bom, pedi qualquer jogo, nesta altura do campeonato já nem prestava atenção oque ele estava me ofertando mesmo, pedi qualquer um, estava mais preocupado naquele momento para que ele não interferisse na minha educação sexual. Então ele me emprestou um jogo qualquer, saí correndo de lá levando aquilo como se fosse um troféu, quando mostrei ao meu amigo Marquinhos ele teve quase um colapso... Eu tinha pegado um jogo que a gente já tinha, mas enfim, expliquei para ele o caso do Come-Come e ele entendeu o meu tormento, depois já perdemos o medo inicial e íamos sempre pegar as fitas com ele, mas sempre, sempre com um pé atrás.
De todas as fitas havia uma que era proibida para menores, chamava-se X-Man, quem tinha não emprestava, e quem não tinha ficava louco para jogar, era meio que uma lenda se existia mesmo essa fita, o jogo era o seguinte: o bonequinho andava por uma labirinto e tinha que escapar de tesouras e alicates que tentavam cortar o seu "Dito cujo", ele entrava em uma portinha e lá podia pegar sua amada, era o próprio sexo explícito no vídeo game, com aqueles gráficos todos em quadradinhos do Atari. Os moleques mais velhos da rua, todos contavam como era aquilo, e a turma mais nova ficava toda com a boca aberta, louca para ver aquele jogo. Então eu e o Marquinhos novamente saímos a caça ao tesouro de quem poderia ter, imaginamos que o Miltinho poderia ter, mas nunca que íamos pedir a ele, ou mesmo perguntar. Até que um garoto da minha escola disse que seu pai tinha, que me emprestaria com uma condição, se eu emprestasse a ele minha luva de goleiro, ahhhhh não precisou falar duas vezes, no outro dia estava o X-Man na minha mão, corri na casa do Marquinhos para chama-lo, ficamos a tarde inteira jogando aquilo, tinha até posições, para nós aquilo era o supra sumo... quase quebramos o controle de tanta alegria... e ainda tínhamos que jogar escondido, porque se nossos pais pegassem era o fim do Atari.
Mas o fim sempre chega, e chegou ao fim os anos de ouro do Atari, vieram os Nintendos, Master System e por ai vai.

Hoje tenho vídeo game de última geração, com belíssimos gráficos, mas já não tem a mesma graça, a magia ficou com o Atari, com todos seus gráficos ruins, com todos seus jogos toscos, com seus sons medonhos, em que na verdade precisavamos imaginar um homenzinho, um carrinho, um aviãozinho ali naqueles quadradinhos, mas para nós na época era tudo, passar uma tarde em frente ao game disputando com os amigos. E também como podem ver passou dos limites de simplesmente ser um video game, para mim ensinou algumas coisas mais...
Mas ainda acredito que esta nostalgia se dá aos meus jovens anos que também não voltam, e se tornam uma lembrança prazerosa de um mundo inocente e menos complicado.


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terça-feira, 11 de maio de 2010

LUSA

Muita gente me pergunta porque eu torço para Portuguesa de Desportos, isso me pertuba! ou senão me perguntam:
-Fora a Portuguesa para qual time você torce?
-Porra!!! torço pra Lusa, poxa!!! e só, mais nada!!!! (risos)
Levo na boa, mas minha resposta padrão é que precisa ter coragem para para torcer pra Lusa e falar para todos que torço pra Lusa.
Tenho muito orgulho de minha escolha... deste meu amor, desta minha loucura. Torcer para um time que nunca vi campeão de algum título de grande expressão nacional.
Mas nada é assim do nada, tudo tem uma história, tudo tem um começo...

A primeira vez que entrei no Canindé foi com meu tio Cininho, eu tinha 5 anos, ele me levou a um jogo e fui ali para as numeradas, assisti o jogo dali, fiz um esforço enorme agora para lembrar com quem a Portuguesa jogou mas não me lembro, mas sei que ganhou, e pela agitação daquele dia foi um jogão, e meu tio cometeu a "maldade" de me comprar um Snoopy com a camisa da Portuguesa. Logo achei que o Snoopy torcia para a Portuguesa, e que a Lusa era o time mais legal do mundo (de fato ainda acho isso mesmo até hoje), POXA!!!! até o Snoopy torce para a Lusa!!? pronto, ali estava selado o meu eterno compromisso e amor com a rubro-verde do Canindé.
Decorei o nome de dois jogadores da época que eram o Ewerton (Um goleiro Barbudo) e o Toquinho. Eu jogava bola no colégio e falava que eu era um ou outro, dependendo da posição.
Depois deste dia do Snoopy, fiquei alguns anos sem ir aos jogos, então lembro de ir em um jogo bem importante, e neste dia foi toda a família, porque a Lusa podia ganhar o primeiro turno do Paulistão de 1985 e assim a Lusa o fez, foi campeã, este jogo foi contra a Ponte Preta, e foi neste dia que pisei no gramado do Canindé pela primeira vez, na época o Canindé não tinha estas grades que tem hoje em volta do gramado, e o folclórico Chiquinho da Leões da Fabulosa me colocou dentro do gramado. Ele ficava ali no vão entre a arquibancada e o gramado colocando toda a criançada para dentro do campo, foi uma festa enorme este dia...
Então comecei a ir sempre com meu pai em jogos isso já no final da década de 80, e dessa época eu tenho uma saudade imensa, eu sempre entrava junto com os jogadores, sempre, e tentava ficar no gramado e assistir o jogo alí escondido, fato este que nunca consegui, sempre me viam e me mandavam sair, nunca consegui assistir nem o apito inicial dalí.
As vezes durante a semana ía assistir os treinos, e o estádio geralmente ficava fechado, mas eu sabia que um dos portões costumava ficar aberto, entrava, e ficava ali assistindo. E uma dessa vezes pulei no gramado, fiquei ali do lado do técnico da Portuguesa, sentado no gramado o vendo ele dar uma entrevista para um jornal, fiquei ajudando a colocar a bola em jogo quando a bola saía (um prazeroso gândula). Eu cheguei pedir rma bola para técnico da Portuguesa que na época era o Jair Picerni, e este me deu, foi uma alegria imensa quando cheguei com essa bola em casa.
Este tipo de coisas de ficar ali sentado babando pelos jogadores, ali pertinho, vendo o trabalho do goleiro que na época era o Sidmar, são tipo de coisas que só uma criança pode fazer, essas atitudes não posso fazer hoje em dia, não cai bem para minha idade, embora ainda sinta vontade.
Os anos passaram e ví grandes jogadores vestindo o manto rubro verde: Zenon (Com a camisa sempre fora do calção), Biro-Biro (Este me prometeu dar a camisa no final da partida, mas se contundiu e nunca mais jogou na Lusa) Valdir Perez, Edu Marangon, Capitão, Zé Roberto, entre outros o inesquecível Dener... este pelo qual paguei um mico uma vez.
Estava com a camisa na mão e caneta, corri para ele assinar e disse: -Dener, Dener autografa aqui pra mim!? e ele assinando minha camisa disse: -Eu sou o Tico, o Dener esta ali... (Ai que vergonha) Então corri e o Dener assinou a minha camisa (E dei essa camisa antes do Dener morrer, eu sei podem me xingar, me arrependo muito por isso).

Meus domingos já eram assim, eu e meu pai acabávamos de almoçar e íamos para o Canindé, eu lá com a minha bandeira pra fora do carro, uma bandeirona de uns 2 metros que ganhei do meu tio, tanto fazia se a Lusa estava bem ou mal, mas naquela época não me lembro de a Lusa ir mal em algum campeonato, naquela época a Portuguesa sempre estava ali nas 'cabeças", meu pai gostava de ir bem cedo, então antes de começar o jogo andávamos todo o Canindé, íamos na Gruta de Fátima, ficávamos esperando a chegada do ônibus com os jogadores, ficávamos pechinchando preços no bazar da tia que vendia artigos da Lusa.

Era tão legal aquele tempo, tinha mais acesso, mais perto com os jogadores, e não esse monte de grades, que até se justifica pela selvageria de alguns que se dizem torcedores hoje em dia.

Bom, minhas duas maiores tristezas com meu time foi não conseguirmos ganhar aquele título Brasileiro de 1996 (Final contra o Grêmio) e aquela lambança na semi-final do Paulista de 1998 em que o Sr. Juiz, Javier Castrilli meteu a mão na nossa Lusa... essa espinha vai ficar na minha garganta até um dia poder soltar o grito de campeã.
Será?


Este é meu amor incondicional pela Lusa, e mesmo que nunca veja campeã, pra mim é sempre o time campeão... (como diz o hino)


Vamos à Luta

sexta-feira, 7 de maio de 2010

ANTONIO GOUVEIA

Conheci o Sr. António Gouveia em 2002 procurando sobre contos do Mama na Burra, Arranca Pinheiros e Arrasa Montanhas, são contos infantis de origem portuguesa. Procurando no Google sobre as estórias vi que ele citava em uma de suas histórias contadas em seu blog, mas a estória em , ele não contava, então mandei um e-mail a ele perguntando se ele tinha as estórias do tal Mama na Burra, e ele gentilmente disse que não tinha, a não ser algumas lembranças, mas fez questão de ir atrás para mim, procura-las... depois de um tempo ele me apareceu com história completa... Ele havia encontrado um homem que era um contador de histórias populares nas escolas portuguesas então passou a ele a mesma. Depois disso passamos a trocar e-mails frequentemente, e como gostava de ler as histórias dele em seu blog, comecei a ter uma ideia de escrever algumas lembranças minhas, e escrevia e mandava a ele, ele revisava e mandava de volta pra mim, e fui guardando, quando vi já tinha 4 ou 5 histórias da minha vida... Então criei o site, e hoje o blog... Quando estive em Portugal fiz questão de ir lá conhece-lo, uma pessoa fantástica e de uma cultura incrível, sempre ligava no Natal dos seguintes anos, para ele e sua esposa Adalina. Depois de alguns meses eu mandava e-mail a ele e via que não respondia, então fui atrás e descobri que ele havia nos deixado... O Sr. Antonio, faleceu em Março/2008 - Então resolvi colocar uma das histórias dele aqui no blog, segue abaixo uma de muitas que achei interessante e fascinante, eu ia "abrasileirar" o texto, mas deixei exatamente igual postado em seu blog, se não ele vinha puxar meu pé, e quem sou eu para mudar alguma coisa de que essa pessoa tão notável escreveu... somente fiz um parênteses em uma palavra que não é usual em nosso vocabulário no Brasil, para que possa ter um melhor entendimento desse curioso texto, segue abaixo a história:

UMA IDA A LISBOA...
Há dias, coisa que ultimamente raras vezes acontece, atravessei o rio e fui a Lisboa. Esta “ida a Lisboa”, desde já previno, para não ser objecto de maldosas intenções, nada tem a ver com o conhecido anúncio “Casal que venha a Lisboa, telefone tal, local sossegado e discreto” em tempos muito frequente nos nossos jornais. Tal anúncio, aliás, já nem se usa mais. Nem é necessário. Hoje é tudo mais directo, mais objectivo: “ boazona, tenho 20 anos, faço isto e aquilo e aqueloutro, espero-te, telefone nº…”. Não, nada disso, Deus me livre. Até porque a minha vetusta idade me põe ao abrigo de tão malévolas como injustas suspeitas e, sobretudo, de tão iníquas tentações.

A minha ida a Lisboa teve a ver, sim, com uma deslocação ao hospital (IPO). Consulta de rotina, felizmente. Numa das salas de espera, por estranha coincidência encontrei um amigo de escola, o Nunes, que não via há um ror de anos. Exclamações de surpresa, abraços, “Há quantos anos, pá!” “Eh pá, o que tens feito?”, “Onde moras?” “Casaste?” Tens filhos e netos?” … enfim, o habitual em tais circunstâncias, excepto o ser dito em voz ciciada, uma vez que ambos, eu e o Nunes, somos pessoas educadas, ao contrário da maioria das pessoas que, neste sítios e em iguais situações fazem um escarcéu tal que não permite ouvir sequer o nome dos doentes chamados através da voz roufenha dos intercomunicadores.

“E que fazes por aqui”, perguntou-me o Nunes no final das calorosas manifestações próprias de tão inesperado reencontro. “Problemas de pele, coisa sem importância, espero” respondi. “E tu? “Eh pá, se queres que te diga, ainda não sei. Estou à espera do resultado de uma endoscopia para saber da gravidade de um problema que me afecta os intestinos, e devo confessar-te que é com algum cagaço que aguardo esse resultado. “Não há-de ser nada” respondi, com aquela “certeza” que a gente sempre tem quando diz estes inevitáveis lugares comuns..
“Era bom é que, a ter alguma coisa, eu tivesse a sorte do Marques. Lembras-te do Carlos Marques, aquele gajo que morava ao fundo da minha rua, muito conservador, e se formou em direito?”. “Sim, sim e o que aconteceu com ele ?”.Eh pá é uma história do arco da velha, nem dá para acreditar”. E vá de me contar a história do Marques, tintim por tintim, que na sala de espera de um hospital há tempo de sobra para contar nem que sejam as mil e uma histórias das mil e uma noites da Sherazade:

O Marques, rapaz do nosso tempo de escola e agora brilhante causídico numa firma de Advogados da capital, tinha uma problema na vida, infelizmente nada invulgar nos dias que correm. Amava uma mulher e casou com outra. Interesses familiares, inércia, preconceitos… o costume. A mulher, Leonor, era médica e a amada, Isabel, sua amiga de infância e namoradinha de adolescente, era agora sua colega no escritório de advocacia. Dois anos depois de casado já o Marques se tinha arrependido de o não ter feito antes com a doce e dedicada Isabel em vez da fria e frívola Leonor. A sua rígida educação religiosa não lhe permitia, no entanto, imaginar sequer uma situação de divórcio.

Anos depois, ao Marques, na sequência de muitas queixas e após repetidos exames e biopsias foi-lhe diagnosticado um carcinoma com metastização disseminada, ou seja, em linguagem entendível, um bruto de um cancro (Câncer) no estômago, incurável no dizer do médico que o assistia. A menos que um milagre acontecesse, acrescentou o clínico, - que não pareceu ao Marques ser pessoa muito dada a acreditar em tal tipo de curas – mas que, no entanto, porque nunca se deve desistir, lhe prescreveu o recurso, primeiro à radioterapia e posteriormente à quimioterapia.

O Marques, como se compreende, ficou desfeito com aquela autêntica a sentença de morte. Isabel foi o seu grande amparo nos meses terríveis que se seguiram.
A radioterapia falhou, tendo começado depois a terrível prova da terapia química com todos os inconvenientes que se lhe conhecem. O Marques não reagia já a qualquer tratamento porque em verdade ele tinha desistido de viver.

Certo dia em que era suposto estar a dormir no seu quarto, levantou-se para ir até à cozinha e ao passar em frente do escritório, ouviu lá dentro, através da porta, anormalmente fechada, a voz da mulher falando ao telefone. Parou para escutar e ouviu, incrédulo a conversa que jamais tinha sonhado ouvir “Sim, querido, é como te digo… Ele já pouco tempo tem de vida… Como? … Meses, querido, alguns meses apenas… Sim, sim, garanto-te, é só teres um pouco de paciência… claro, podemos então fazer juntos a nossa sonhada viagem às Seichelles e irmos aonde quisermos….Não, não hoje não posso… Sim, sim, amanhã lá estarei, à hora do costume”

“Grande cabra”, conseguiu articular o Marques rangendo os dentes. “Mas eu não vou morrer, garanto-te que não vou morrer, não vou morrer”, e escapuliu-se para o quarto, como se nada tivesse ouvido, nada tivesse acontecido. No dia seguinte, com grande espanto e mal disfarçada contrariedade da mulher, resolveu retomar os tratamentos de que tinha desistido. Com o apoio efectivo de Isabel, e sem nuna se dar por achado do que sabia àcerca da infidelidade da mulher, a tudo se submeteu, com uma força de vontade impressionante, com uma coragem de que nunca se julgara capaz e, surpreendentemente, ao fim de alguns meses, começou aos poucos a recuperar, a sentir-se mais forte, a ter menos dores, a ganhar cor e apetite, deixando espantado e incrédulo o médico assistente, cada vez que o examinava.

Ao fim de mais algum tempo, cerca de um ano talvez, fez novos exames e, de acordo com o relatório, estava completamente curado. “Estou espantado, meu amigo, foi um milagre, um verdadeiro milagre”. Acabou por admitir o médico.

Passados alguns dias, o Marques estava pronto a voltar ao trabalho, mas antes de o fazer resolveu pedir uma licença graciosa na sua empresa e comemorar a incrível e inesperada vitória sobre a sua morte anunciada, com um jantar num restaurante chique da cidade, para o qual convidou todos os seus colegas, incluído obviamente a sua fidelíssima Isabel, os seus pais e os de sua mulher que se fingia também muito satisfeita com a sua recuperação e alguns amigos desta, entre os quais se contava o amante que ele, com muita astúcia e paciência tinha acabado por identificar e que era, afinal, senão propriamente um amigo, um fulano das suas relações comuns.

Ninguém faltou, claro. Todos vestidos a rigor, uma mesa ornamentada, com fino gosto, um serviço impecável, um convívio simpático e ruidoso e por fim os brindes, entre os quais se salientou pelo seu tom emocionado, o da pérfida Leonor e por fim o do homenageado. Agradeceu a todos o acompanhamento e solidariedade na sua dolorosa provação e terminou com uma declaração inesperada. “E agora, meus amigos, tenho prazer de vos anunciar que aproveitando a licença graciosa que solicitei e me foi concedida, parto dentro de dias para as Seichelles (a escolha deste destino não era inocente, como nós sabemos) acompanhado da minha querida… Isabel, que tanto me apoiou, como sabem na minha doença. Imagine-se o burburinho, as exclamações, os gritinhos, e logo a voz titubeante e pretensamente indignada da estupefacta Leonor… “Então, então e eu…?” Você, minha querida, respondeu impassível o Marques, vai para a puta que a pariu, acompanhada desse chulo que está ali sentado (e apontou-o com o dedo) com quem quem voçê me traia, garantindo-lhe a certeza da minha morte iminente. E que vos faça bom proveito.
.
É esta, em traços gerais a história mirabolante que, boquiaberto e incrédulo, escutei do Nunes. Omito, por desnecessários e fastidiosos, certos pormenores e pícaros comentários com que ele, excelente narrador a enfeitou e lhe deu colorido. Mas juro que ela contem apenas os elementos que julguei necessários ao claro entendimento de quem a leia – o que, espero aconteça consigo, estimado leitor.

Para fim de conversa, que entretanto foi interrompida pela voz do intercomunicador a chamar-me para a consulta, para a qual corri após um abraço ao Nunes e desejo de boa sorte, apurei ainda que o Marques acabou por casar com a Isabel, que tiveram dois filhos e alguns netos e que, velhotes como nós próprios, ainda vivem, numa bela moradia lá para os lados de Viana do Castelo de onde ela é natural.

Pois é. Mais uma vez aprendi algo com uma ida ao hospital. Na verdade, cada vez que entro em algum estabelecimento hospitalar, saio de lá quase sempre mais optimista, por constatar que qualquer problema que me esteja a afectar no momento é, por via de regra, mesquinho e insignificante comparado com os quadros de miséria que ali se me deparam. Desta vez, graças à história do Marques, eu aprendi ainda que, a juntar ao sábio aforismo popular de que “o amor faz milagres” poder-se-á acrescentar “e o ódio também”.


Legal ???
Meu amigão Antonio Gouveia descanse em paz, aqui está o blog dele:

vale muita a pena ler...

Hoje dia 18/05/2010 achei em um site antigo do Sr. Antonio um texto postado por ele sobre minha ida a Portugal, confesso que me emocionou... junto disto tem um texto que escrevi na época para ele... fiquei muito contente... Leiam:



31-8-2005

O Luís Morais é um jovem Brasileiro. Filho de pais portugueses, nasceu e vive em São Paulo. Escreveu-me há dois ou três anos. O pai havia falecido recentemente e rememorando as boas recordações dos tempos de criança, vieram-lhe à memória as cantilenas e as histórias populares com que o pai o ajudava quantas vezes a adormecer. Entre elas havia a história do "mama-na-burra" e das suas mirabolantes proezas face aos dois temíveis adversários, o "arranca-pinheiros" e o "arrasa-montanhas". Só que as façanhas destes personagens lhe vinham à mente como fios soltos de um farrapo velho. do qual pouco mais restava do que difusa e mágica palavra mama-na-burra. Só que o pai já não estava cá para cerzir esse farrapo e reconstituir a história que tanto o encantara.

Indagou junto da mãe e dos amigos, mas ninguém conhecia ou era capaz de reconstituir a história. Lembrou-se de ir à net e à primeira tentativa a pesquisa levou-o direitinho a esta minha Página sobre Moscavide, onde, a dado passo, falo das saudades que também sentia do tempo em que nas noites quentes de verão nos entretínhamos a contar e a ouvir, entre outras, as fantásticas proezas do poderoso mama-na burra. Foi quanto bastou para o Luís me escrever, perguntando se eu seria capaz de reconstituir inteira a narrativa deste conto que seu pai lhe contava, pois já não tinha mais ninguém a quem perguntar.

Claro que já não me recordava da sequência e dos pormenores da narrativa, Então, minha mulher pôs-se em campo e conseguiu obter, junto de um contador de histórias, não uma mas três versões completas - entre as quais uma originária de Trás-os-Montes, mais precisamente de Podence, terra do falecido pai do nosso jovem.

Desde então ficámos amigos e trocamos correspondência com frequência. Este ano o Luís veio pela primeira vez visitar a terra de seus pais e, de caminho, fazer-me uma visita em Almada, onde resido.

De regresso a casa enviou-me este belo texto:

Olha que esse Mama na Burra

Deve ser algum Herói

Uma espécie de Super-man

Ou Bat-man ou qualquer um desses

Ele fez que eu atravessasse

O tão sonhado Rio Tejo, de barco

Olha esse mama na burra

Fez com que eu conhecesse os "Joaquinzinhos" e os Carapaus

Ai, Ai uma tarde em Almada

Com meus amigos Antonio e Adelina

Depois em Cabo Espichel e Aldeia do Meco

Olha que esse Mama na Burra

O mesmo que papai contava quando eu era pequeno

Me levou para conhecer pessoas maravilhosas

Que eu vou guardar para o resto da minha vida

E essas pessoas que justamente estavam

Em um dos momentos mais importantes e felizes da minha vida

Olha que esse Mama na Burra é Valente

Luis Morais

Comentário: É este o poder da internet. E, se outras razões não houvesse ,o simples facto de ter possibilitado a este jovem o resgate das memórias da sua infância, o apaziguamento da dor pela perda do pai/companheiro que era o seu, e o desejo, talvez até então não sentido, de visitar os locais onde o pai, em criança também, ouvira dos mais velhos a história do mama-na-burra - só esse facto. dizia, me compensaria do trabalho de criar e manter esta Página.


E está aqui também o video do conto que fez com que eu conhecesse o meu amigo, que é o do Mama na Burra, este video achei na internet e achei que vinha bem a calhar neste post, para quem quiser conhecer este conto infantil:
http://videos.sapo.pt/6AoVihBmzluAfiJw8yUE