sexta-feira, 7 de maio de 2010

ANTONIO GOUVEIA

Conheci o Sr. António Gouveia em 2002 procurando sobre contos do Mama na Burra, Arranca Pinheiros e Arrasa Montanhas, são contos infantis de origem portuguesa. Procurando no Google sobre as estórias vi que ele citava em uma de suas histórias contadas em seu blog, mas a estória em , ele não contava, então mandei um e-mail a ele perguntando se ele tinha as estórias do tal Mama na Burra, e ele gentilmente disse que não tinha, a não ser algumas lembranças, mas fez questão de ir atrás para mim, procura-las... depois de um tempo ele me apareceu com história completa... Ele havia encontrado um homem que era um contador de histórias populares nas escolas portuguesas então passou a ele a mesma. Depois disso passamos a trocar e-mails frequentemente, e como gostava de ler as histórias dele em seu blog, comecei a ter uma ideia de escrever algumas lembranças minhas, e escrevia e mandava a ele, ele revisava e mandava de volta pra mim, e fui guardando, quando vi já tinha 4 ou 5 histórias da minha vida... Então criei o site, e hoje o blog... Quando estive em Portugal fiz questão de ir lá conhece-lo, uma pessoa fantástica e de uma cultura incrível, sempre ligava no Natal dos seguintes anos, para ele e sua esposa Adalina. Depois de alguns meses eu mandava e-mail a ele e via que não respondia, então fui atrás e descobri que ele havia nos deixado... O Sr. Antonio, faleceu em Março/2008 - Então resolvi colocar uma das histórias dele aqui no blog, segue abaixo uma de muitas que achei interessante e fascinante, eu ia "abrasileirar" o texto, mas deixei exatamente igual postado em seu blog, se não ele vinha puxar meu pé, e quem sou eu para mudar alguma coisa de que essa pessoa tão notável escreveu... somente fiz um parênteses em uma palavra que não é usual em nosso vocabulário no Brasil, para que possa ter um melhor entendimento desse curioso texto, segue abaixo a história:

UMA IDA A LISBOA...
Há dias, coisa que ultimamente raras vezes acontece, atravessei o rio e fui a Lisboa. Esta “ida a Lisboa”, desde já previno, para não ser objecto de maldosas intenções, nada tem a ver com o conhecido anúncio “Casal que venha a Lisboa, telefone tal, local sossegado e discreto” em tempos muito frequente nos nossos jornais. Tal anúncio, aliás, já nem se usa mais. Nem é necessário. Hoje é tudo mais directo, mais objectivo: “ boazona, tenho 20 anos, faço isto e aquilo e aqueloutro, espero-te, telefone nº…”. Não, nada disso, Deus me livre. Até porque a minha vetusta idade me põe ao abrigo de tão malévolas como injustas suspeitas e, sobretudo, de tão iníquas tentações.

A minha ida a Lisboa teve a ver, sim, com uma deslocação ao hospital (IPO). Consulta de rotina, felizmente. Numa das salas de espera, por estranha coincidência encontrei um amigo de escola, o Nunes, que não via há um ror de anos. Exclamações de surpresa, abraços, “Há quantos anos, pá!” “Eh pá, o que tens feito?”, “Onde moras?” “Casaste?” Tens filhos e netos?” … enfim, o habitual em tais circunstâncias, excepto o ser dito em voz ciciada, uma vez que ambos, eu e o Nunes, somos pessoas educadas, ao contrário da maioria das pessoas que, neste sítios e em iguais situações fazem um escarcéu tal que não permite ouvir sequer o nome dos doentes chamados através da voz roufenha dos intercomunicadores.

“E que fazes por aqui”, perguntou-me o Nunes no final das calorosas manifestações próprias de tão inesperado reencontro. “Problemas de pele, coisa sem importância, espero” respondi. “E tu? “Eh pá, se queres que te diga, ainda não sei. Estou à espera do resultado de uma endoscopia para saber da gravidade de um problema que me afecta os intestinos, e devo confessar-te que é com algum cagaço que aguardo esse resultado. “Não há-de ser nada” respondi, com aquela “certeza” que a gente sempre tem quando diz estes inevitáveis lugares comuns..
“Era bom é que, a ter alguma coisa, eu tivesse a sorte do Marques. Lembras-te do Carlos Marques, aquele gajo que morava ao fundo da minha rua, muito conservador, e se formou em direito?”. “Sim, sim e o que aconteceu com ele ?”.Eh pá é uma história do arco da velha, nem dá para acreditar”. E vá de me contar a história do Marques, tintim por tintim, que na sala de espera de um hospital há tempo de sobra para contar nem que sejam as mil e uma histórias das mil e uma noites da Sherazade:

O Marques, rapaz do nosso tempo de escola e agora brilhante causídico numa firma de Advogados da capital, tinha uma problema na vida, infelizmente nada invulgar nos dias que correm. Amava uma mulher e casou com outra. Interesses familiares, inércia, preconceitos… o costume. A mulher, Leonor, era médica e a amada, Isabel, sua amiga de infância e namoradinha de adolescente, era agora sua colega no escritório de advocacia. Dois anos depois de casado já o Marques se tinha arrependido de o não ter feito antes com a doce e dedicada Isabel em vez da fria e frívola Leonor. A sua rígida educação religiosa não lhe permitia, no entanto, imaginar sequer uma situação de divórcio.

Anos depois, ao Marques, na sequência de muitas queixas e após repetidos exames e biopsias foi-lhe diagnosticado um carcinoma com metastização disseminada, ou seja, em linguagem entendível, um bruto de um cancro (Câncer) no estômago, incurável no dizer do médico que o assistia. A menos que um milagre acontecesse, acrescentou o clínico, - que não pareceu ao Marques ser pessoa muito dada a acreditar em tal tipo de curas – mas que, no entanto, porque nunca se deve desistir, lhe prescreveu o recurso, primeiro à radioterapia e posteriormente à quimioterapia.

O Marques, como se compreende, ficou desfeito com aquela autêntica a sentença de morte. Isabel foi o seu grande amparo nos meses terríveis que se seguiram.
A radioterapia falhou, tendo começado depois a terrível prova da terapia química com todos os inconvenientes que se lhe conhecem. O Marques não reagia já a qualquer tratamento porque em verdade ele tinha desistido de viver.

Certo dia em que era suposto estar a dormir no seu quarto, levantou-se para ir até à cozinha e ao passar em frente do escritório, ouviu lá dentro, através da porta, anormalmente fechada, a voz da mulher falando ao telefone. Parou para escutar e ouviu, incrédulo a conversa que jamais tinha sonhado ouvir “Sim, querido, é como te digo… Ele já pouco tempo tem de vida… Como? … Meses, querido, alguns meses apenas… Sim, sim, garanto-te, é só teres um pouco de paciência… claro, podemos então fazer juntos a nossa sonhada viagem às Seichelles e irmos aonde quisermos….Não, não hoje não posso… Sim, sim, amanhã lá estarei, à hora do costume”

“Grande cabra”, conseguiu articular o Marques rangendo os dentes. “Mas eu não vou morrer, garanto-te que não vou morrer, não vou morrer”, e escapuliu-se para o quarto, como se nada tivesse ouvido, nada tivesse acontecido. No dia seguinte, com grande espanto e mal disfarçada contrariedade da mulher, resolveu retomar os tratamentos de que tinha desistido. Com o apoio efectivo de Isabel, e sem nuna se dar por achado do que sabia àcerca da infidelidade da mulher, a tudo se submeteu, com uma força de vontade impressionante, com uma coragem de que nunca se julgara capaz e, surpreendentemente, ao fim de alguns meses, começou aos poucos a recuperar, a sentir-se mais forte, a ter menos dores, a ganhar cor e apetite, deixando espantado e incrédulo o médico assistente, cada vez que o examinava.

Ao fim de mais algum tempo, cerca de um ano talvez, fez novos exames e, de acordo com o relatório, estava completamente curado. “Estou espantado, meu amigo, foi um milagre, um verdadeiro milagre”. Acabou por admitir o médico.

Passados alguns dias, o Marques estava pronto a voltar ao trabalho, mas antes de o fazer resolveu pedir uma licença graciosa na sua empresa e comemorar a incrível e inesperada vitória sobre a sua morte anunciada, com um jantar num restaurante chique da cidade, para o qual convidou todos os seus colegas, incluído obviamente a sua fidelíssima Isabel, os seus pais e os de sua mulher que se fingia também muito satisfeita com a sua recuperação e alguns amigos desta, entre os quais se contava o amante que ele, com muita astúcia e paciência tinha acabado por identificar e que era, afinal, senão propriamente um amigo, um fulano das suas relações comuns.

Ninguém faltou, claro. Todos vestidos a rigor, uma mesa ornamentada, com fino gosto, um serviço impecável, um convívio simpático e ruidoso e por fim os brindes, entre os quais se salientou pelo seu tom emocionado, o da pérfida Leonor e por fim o do homenageado. Agradeceu a todos o acompanhamento e solidariedade na sua dolorosa provação e terminou com uma declaração inesperada. “E agora, meus amigos, tenho prazer de vos anunciar que aproveitando a licença graciosa que solicitei e me foi concedida, parto dentro de dias para as Seichelles (a escolha deste destino não era inocente, como nós sabemos) acompanhado da minha querida… Isabel, que tanto me apoiou, como sabem na minha doença. Imagine-se o burburinho, as exclamações, os gritinhos, e logo a voz titubeante e pretensamente indignada da estupefacta Leonor… “Então, então e eu…?” Você, minha querida, respondeu impassível o Marques, vai para a puta que a pariu, acompanhada desse chulo que está ali sentado (e apontou-o com o dedo) com quem quem voçê me traia, garantindo-lhe a certeza da minha morte iminente. E que vos faça bom proveito.
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É esta, em traços gerais a história mirabolante que, boquiaberto e incrédulo, escutei do Nunes. Omito, por desnecessários e fastidiosos, certos pormenores e pícaros comentários com que ele, excelente narrador a enfeitou e lhe deu colorido. Mas juro que ela contem apenas os elementos que julguei necessários ao claro entendimento de quem a leia – o que, espero aconteça consigo, estimado leitor.

Para fim de conversa, que entretanto foi interrompida pela voz do intercomunicador a chamar-me para a consulta, para a qual corri após um abraço ao Nunes e desejo de boa sorte, apurei ainda que o Marques acabou por casar com a Isabel, que tiveram dois filhos e alguns netos e que, velhotes como nós próprios, ainda vivem, numa bela moradia lá para os lados de Viana do Castelo de onde ela é natural.

Pois é. Mais uma vez aprendi algo com uma ida ao hospital. Na verdade, cada vez que entro em algum estabelecimento hospitalar, saio de lá quase sempre mais optimista, por constatar que qualquer problema que me esteja a afectar no momento é, por via de regra, mesquinho e insignificante comparado com os quadros de miséria que ali se me deparam. Desta vez, graças à história do Marques, eu aprendi ainda que, a juntar ao sábio aforismo popular de que “o amor faz milagres” poder-se-á acrescentar “e o ódio também”.


Legal ???
Meu amigão Antonio Gouveia descanse em paz, aqui está o blog dele:

vale muita a pena ler...

Hoje dia 18/05/2010 achei em um site antigo do Sr. Antonio um texto postado por ele sobre minha ida a Portugal, confesso que me emocionou... junto disto tem um texto que escrevi na época para ele... fiquei muito contente... Leiam:



31-8-2005

O Luís Morais é um jovem Brasileiro. Filho de pais portugueses, nasceu e vive em São Paulo. Escreveu-me há dois ou três anos. O pai havia falecido recentemente e rememorando as boas recordações dos tempos de criança, vieram-lhe à memória as cantilenas e as histórias populares com que o pai o ajudava quantas vezes a adormecer. Entre elas havia a história do "mama-na-burra" e das suas mirabolantes proezas face aos dois temíveis adversários, o "arranca-pinheiros" e o "arrasa-montanhas". Só que as façanhas destes personagens lhe vinham à mente como fios soltos de um farrapo velho. do qual pouco mais restava do que difusa e mágica palavra mama-na-burra. Só que o pai já não estava cá para cerzir esse farrapo e reconstituir a história que tanto o encantara.

Indagou junto da mãe e dos amigos, mas ninguém conhecia ou era capaz de reconstituir a história. Lembrou-se de ir à net e à primeira tentativa a pesquisa levou-o direitinho a esta minha Página sobre Moscavide, onde, a dado passo, falo das saudades que também sentia do tempo em que nas noites quentes de verão nos entretínhamos a contar e a ouvir, entre outras, as fantásticas proezas do poderoso mama-na burra. Foi quanto bastou para o Luís me escrever, perguntando se eu seria capaz de reconstituir inteira a narrativa deste conto que seu pai lhe contava, pois já não tinha mais ninguém a quem perguntar.

Claro que já não me recordava da sequência e dos pormenores da narrativa, Então, minha mulher pôs-se em campo e conseguiu obter, junto de um contador de histórias, não uma mas três versões completas - entre as quais uma originária de Trás-os-Montes, mais precisamente de Podence, terra do falecido pai do nosso jovem.

Desde então ficámos amigos e trocamos correspondência com frequência. Este ano o Luís veio pela primeira vez visitar a terra de seus pais e, de caminho, fazer-me uma visita em Almada, onde resido.

De regresso a casa enviou-me este belo texto:

Olha que esse Mama na Burra

Deve ser algum Herói

Uma espécie de Super-man

Ou Bat-man ou qualquer um desses

Ele fez que eu atravessasse

O tão sonhado Rio Tejo, de barco

Olha esse mama na burra

Fez com que eu conhecesse os "Joaquinzinhos" e os Carapaus

Ai, Ai uma tarde em Almada

Com meus amigos Antonio e Adelina

Depois em Cabo Espichel e Aldeia do Meco

Olha que esse Mama na Burra

O mesmo que papai contava quando eu era pequeno

Me levou para conhecer pessoas maravilhosas

Que eu vou guardar para o resto da minha vida

E essas pessoas que justamente estavam

Em um dos momentos mais importantes e felizes da minha vida

Olha que esse Mama na Burra é Valente

Luis Morais

Comentário: É este o poder da internet. E, se outras razões não houvesse ,o simples facto de ter possibilitado a este jovem o resgate das memórias da sua infância, o apaziguamento da dor pela perda do pai/companheiro que era o seu, e o desejo, talvez até então não sentido, de visitar os locais onde o pai, em criança também, ouvira dos mais velhos a história do mama-na-burra - só esse facto. dizia, me compensaria do trabalho de criar e manter esta Página.


E está aqui também o video do conto que fez com que eu conhecesse o meu amigo, que é o do Mama na Burra, este video achei na internet e achei que vinha bem a calhar neste post, para quem quiser conhecer este conto infantil:
http://videos.sapo.pt/6AoVihBmzluAfiJw8yUE

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